sábado, 11 de junho de 2022

As opiniões de 3 livros por Miguel Cruz: "Le Scorpion - La Tombe d’Un Dieu - tomo 14", de Desberg e Marini; "Dead Dog’s Bite - Volume 1", de Tyler Boss e "La Part de L’Ombre: Rendre Justice - tomo 2", de Perna e Ruizge


Le Scorpion - La Tombe d’Un Dieu - tomo 14

A cara leitora/o caro leitor ainda se recorda da série “O Escorpião” durante alguns anos publicado pela Asa, da autoria de Stephen Desberg (argumento) e Enrico Marini (desenho)? Pela minha parte, sempre achei essa uma excelente série. 

É verdade que a história não desenvolvia muito rapidamente de episódio para episódio, embora a premissa do jovem com a marca do Diabo, perseguido por um Cardeal e possivelmente o filho maldito de um Papa amado pelo povo, em permanente luta com uma cigana especialmente versada em venenos, fosse excelente, inovadora em muitos aspetos, e as aventuras eram muito boas, e maravilhosamente ilustradas por Marini, um grande artista, como sabemos.

Pois bem, acaba de ser publicado o tomo 14 desta série – em Francês, já que em Portugal, se não me falha a memória, nos ficámos pelo seis. 

14 tomos ao longo de 22 anos, um grande sucesso de vendas, inúmeras reedições de muitos dos tomos, não é para qualquer um. Claro que eu sou daqueles que suspeita que ao fim de 14 tomos, as novidades, a frescura, a qualidade já não pode ser a mesma. Mas muitas vezes esse raciocínio é um engano. Querem um exemplo? Pois bem, um exemplo simples para lembrar Jeremiah de Hermann, que teve bem mais de 14 tomos de elevada qualidade e capacidade de reinvenção…

Bom, já me estou a desviar... voltemos ao que interessa. No caso de Le Scorpion, estamos já no segundo ciclo de aventuras, após 12 tomos do duo Marine e Desberg. Pois é: desde o décimo-terceiro que o desenho foi assumido por Luigi Critone. 

O segundo ciclo é passado no Egipto, uma vez que depois de “esclarecido” o segredo da família Trebaldi no primeiro, o Escorpião viaja de Roma em perseguição da cigana Méjaï, por razões que…não posso explicar para evitar o spoiler. Digamos, por amor!

Nesta última edição, o Escorpião precisa de dinheiro, pelo que aceita acompanhar uma misteriosa e perigosa mulher, que procura o túmulo de Akhenathon, o faraó dito herético (ler Blake e Mortimer: o Mistério da Grande Pirâmide, pode ajudar a entrar no tema) que tentou instituir o culto do Deus único. O objetivo é o de tentar testar ou validar uma teoria de que o seu sacerdote Tamose não seria outro senão Moisés (sim o dos Mandamentos e do êxodo do povo Judeu).

Pelo meio, vários grupos procuram chegar primeiro ao referido túmulo, seja por causa da referida teoria, seja pelas riquezas que suspeitam que nele se encontram. O Escorpião, experiente “salteador” de túmulos está particularmente interessado nessas riquezas e vai ser essencial na busca.

A aventura é movimentada, as cenas de luta são muito interessantes, os cenários são excelentes e detalhados. Desberg aproveita para discorrer sobre a questão judaica e a Palestina, sobre a religião e a guerra, e apesar de a aventura ser demasiado rápida e curta, o que torna um pormenor ou dois mais difícil de “digerir” na sua credibilidade, a narrativa é conduzida de forma experiente por quem sabe muito da sua profissão!

Os desenhos são excelentes, as corres muito bem aplicadas. Marini é um mestre, e o desenho não procura ser uma cópia do mestre, embora o estilo seja semelhante. Nota-se a diferença na troca de desenhadores, mas a qualidade, o movimento, a luz, o brilho no olhar, a expressividade, tudo isto lá está.

Assim, e para concluir, uma boa BD de aventura, lê-se bem e com agrado, mantendo viva uma série que teve vários tomos excecionais. Uma aposta segura da editora Dargaud.




Dead Dog’s Bite - Volume 1

Recentemente publicado pela Dark Horse, o Volume 1 de Dead Dog’s Bite inclui, em versão hardcover, os comics #1 a #4 da série de Tyler Boss.

Atraído pelo grafismo, que é excelente, em pequena dimensão – algumas páginas chegam a ter vinte e quatro “quadradinhos” – reconheço que mais que o grafismo agradável, o ponto de maior interesse deste volume é o diálogo, inteligente, atual e pleno de humor.

Numa pequena cidade (ficcional) dos Estados Unidos (Pendermills, população 2240, ou melhor 2239), Cormac Guffin, uma jovem, desapareceu, os dias passam, não há pistas, a polícia parece relativamente pouco ativas nas buscas, e a população da cidade começa a fazer o seu luto. Mas a sua amiga Joe (Josephine) não desiste da busca. 

Acompanhados por um narrador, somos testemunha da revolta da jovem e das suas ações na busca de pistas, que a acabam por levar a um cruzamento com o seu passado, nomeadamente com a morte/desaparecimento do seu pai.

A conclusão da história, e várias pistas que conduzem ao final (que por não gostar de spoilers não posso mencionar) é muito pouco convencional, razoavelmente estranho e, reconheço, pouco adequado para quem esteja à espera de um policial clássico. Tudo nesta história é surpreendente, não convencional, e o que mais importa acaba por não ser a história, mas as reflexões que lhe estão subjacentes, sendo o final o mais “aberto possível”. Em certos momentos recordei-me who killed Laura Palmer.





La Part de L’Ombre: Rendre Justice - tomo 2

Já não será uma novidade fresquinha, fresquinha. O tomo dois (e último) de La Part de L’Ombre já foi publicado em outubro de 2021, mas o ritmo de leitura fez com que só agora possa comentar esta BD – efetivamente não apenas o último tomo publicado, mas toda a história publicada em duas partes. A qualidade da obra é elevada, razão pela qual achei que ainda ia a tempo. E afinal, é tão fresco como um peixe vindo de carro de bois diretamente de Lutécia… Bom, passemos a coisas sérias.

Trata-se de uma BD sobre Maurice Bavaud, o jovem Suíço que preparou diversos atentados contra Adolf Hitler, ainda antes da II grande Guerra, e cuja história inacreditável e rocambolesca (e verdadeira!) é tal mal conhecida (os autores explicam bem o porquê). Trata-se, também, ou principalmente da história de Guntran Müller, jornalista na Alemanha de Leste nos anos 50, ex-polícia e ex-agente do Almirante Canaris.

Müller é a personagem de BD que conduz a narrativa e que permite aos autores não apenas contar a (curta) história de Bavaud, como apresentar reflexões sobre vários temas, desde a legitimidade de recorrer ao assassinato – mesmo que de um tirano – até ao papel “neutral” da Suiça na segunda Grande Guerra, quer do ponto de vista diplomático, quer do ponto de vista financeiro/bancário.

Esta personagem central assiste ao julgamento na década de 50 de Bavaud, executado pelo regime nazi quase 10 anos antes, que determina que a lei deve ser aplicada, e que o assassínio, mesmo que tivesse permitido evitar muitas outras mortes, é condenável e punível por lei (neste caso 5 anos de cadeia…para o morto). Na sequência deste julgamento, vai dinamizar uma revisão do processo, e para isso envolve um jovem estagiário do jornal, a quem explica vários detalhes, com a desculpa de que tem de preparar uma entrevista a Nikita Krouchtchev. 

Tudo isto se vai passando sob vigilância apertada dos serviços secretos da União Soviética e Americanos, que introduzem pressões e exigências a uma narrativa já de si complexa. Ninguém é o que parece, estamos em plena guerra fria, e pouco é previsível. O argumento, do Francês Patrice Perna, é muito bem construído, complexo mas muito coerente, extremamente interessante, credível e com fundo real. O desenho, do Espanhol Francisco Ruizgé, é muito austero, agradável, as personagens facilmente reconhecíveis, com muitos detalhes de época, e muito bem adaptado ao objetivo de uma história de nostalgia, ética e redenção. 

Do melhor que se pode ler, esta BD editada pela Glénat, embora não seja nem uma leitura rápida, nem de esquecimento célere.






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