sexta-feira, 17 de junho de 2022

Mais três opiniões de Miguel Cruz agora sobre: "Spirou – L’ Espoir Malgré Tout - Quatrième partie", de Bravo; "Pierre Rouge, Plume Noire", de Robin e "Quand Sonne la Tempête - tome 4", de Masaki

Hoje continuamos com várias opiniões de livros franco-belgas por Miguel Cruz. Depois da novidade da manhã da mais recente novidade da série Michel Vaillant - Cannonball, aqui ficam mais três sugestões.




Spirou: L’Espoir Malgré Tout - Quatrième partie

Há dezasseis anos, a editora Dupuis, detentora dos direitos de Spirou (excluindo os direitos de utilização da personagem Marsupilami) criou uma nova série designada por “As Aventuras de Spirou e Fantasio de…”. 

A ideia subjacente a esta nova série foi a de convidar autores a realizar não uma nova aventura de Spirou (e Fantasio) mas sim uma Banda Desenhada de autor, que pudesse acrescentar novas visões ao universo daquela personagem.

Por essa coleção passaram já, ao longo de 19 álbuns, entre outros, autores como Frank Pé (presente na Amadora no ano passado), Zidrou, Makyo, Yann, Lewis Trondheim, Frank Le Gall, Olivier Schwartz, Fabrice Tarrin, Christian Durieux, e Émile Bravo.

Este último escreveu e desenhou o número quatro da série, e um dos volumes de maior sucesso: Le Journal d’un Ingénu. O Diário de um Ingénuo é uma BD que se desenrola na juventude de um ingénuo Spirou, que conhece o mundo apenas através dos clientes do hotel onde trabalha, no início da II Grande Guerra e imediatamente antes da invasão da Bélgica pelo exército Alemão. 

Dez anos depois, o autor publica o primeiro de 4 volumes de L’Espoir Malgré Tout, publicação que agora termina, em final de maio de 2022, com o quarto volume.

As aventuras de Spirou surgem, pela primeira vez, pela mão do seu criador Rob-Vel, em 1938, um pouco antes da guerra. Durante a guerra a publicação de Spirou tem interrupções sendo retomado por Jijé primeiro e depois por Franquin que criou o universo de Spirou que conhecemos hoje.

Émile Bravo procurou precisamente usar o período entre Rob-Vel e os seus continuadores para explorar um conjunto de questões: Qual a origem de determinados personagens, qual a natureza e como se desenvolveu a amizade entre Spirou e o tresloucado Fantasio, porque razão Spirou gosta de se vestir de paquete de hotel e como se desenvolveram o instinto de sobrevivência e o forte caráter humanista de Spirou. Como diz Spirou a Fantasio “Não é uma aventura, é a guerra”.

Como sabemos, nas primeiras aventuras, Spirou era efetivamente um paquete no hotel “Le Moustique”. Com Franquin (e Jijé) Spirou não volta “a pôr os pés” num hotel. Em L’Espoir Malgré Tout, a explicação é dada com a explosão e completa destruição do hotel simbolizada também como uma libertação e entrada em idade adulta da personagem.

Os quatro volumes de L’Espoir Malgré Tout (e a introdução com Le Journal d’un Ingénu) são absolutamente excecionais, representam a passagem de Spirou à idade adulta, criam um universo coerente, e através do relato da vida aventurosa de Spirou e Fantasio durante a ocupação alemã, percebemos como se desenvolveu esta personagem, este símbolo do humanismo, este grande coração. Percebemos ainda os fortes laços que passam a ligar Spirou e Fantasio, apesar dos disparates habituais do segundo… Ah, é verdade, e a ligação a um esquilo que se mostra particularmente dedicado a roer cabos elétricos e detonadores.

A história é muito interessante, a narração é realizada com mestria, estamos em plena guerra, pelo que não é, efetivamente, uma divertida aventura sem consequências. O humor está presente e permite dar o tom adequado à BD. Os desenhos são fantásticos, ao longo de mais de 300 páginas de uma saga onde tudo é representado com expressividade, detalhe e muita sensibilidade.

Do melhor que tenho lido nos últimos anos. Eu sei que seria uma verdadeira empreitada, mas esta obra parece-me suficientemente indispensável para aqui deixar o meu piscar de olho para uma publicação em português.






Pierre Rouge, Plume Noire

Pedra Vermelha, Pena Negra é o título de uma daquelas pérolas de BD que por vezes nos surgem, e muitas vezes nos surpreendem, neste caso pela mão do Francês Thierry Robin.

Pedra Vermelha, Pena Negra é um trabalho preparado pelo seu autor diretamente para o mercado Chinês, a sua história aborda um episódio romanceado da história Chinesa, um confronto entre o Imperador Ming e um rei local (Rei Yang), com um castelo num local chamado Hai Long Tun (O castelo do Dragão dos Mares), Sul da China, província de Gizhou, o cerco e os combates, e os massacres de inocentes civis, que tingiram a pedra da montanha de vermelho.

Pedra Vermelha, Pena Negra é uma Banda Desenhada baseada numa lenda local, que implicou várias deslocações e estadias (e desventuras) do próprio autor e sua família à China, e que é relatada com um grafismo absolutamente espetacular (quer na sua versão a cores quer, particularmente, na minha opinião, na sua versão a preto e branco).

Pedra Vermelha, Pena Negra é um relato de uma história de inveja, sede de poder, guerra, violência, abuso e selvajaria, pilhagens e roubos de pouca coisa, alheamento de algumas lideranças e de (parafraseando António Guterres) que os inocentes são sempre quem paga o maior preço! Mas com que desenho e com que qualidade narrativa!

Pedra Vermelha, já o sabemos porquê, a montanha sendo a testemunha cega deste acontecimento e sofredor silenciosa pela vida; Pena Negra porque sendo a Montanha cega, todo o relato, a seus riscos e perigos, dos acontecimentos, é-lhe feita por um corvo negro e esfomeado, que acaba por ser a pluma da escrita deste relato.

Pedra Vermelha, Pena Negra é uma história com uma sofredora testemunha eterna, com um narrador que quer aproveitar a sua curta vida, mas sem personagens principais, embora com três personagens que se destacam, uma feminina, principal testemunha do desvario da liderança, um camponês refugiado aterrorizado mas sensato, que tudo faz por sobreviver, e um honrado, leal e aguerrido general, todos sem capacidade de condicionar os acontecimentos. Um livro excecional!






Quand Sonne la Tempête - tome 4

Um pouco de Mangá para variar.

Não sou um leitor muito assíduo de Mangá, embora faça as minhas incursões no género com alguma frequência, confessando que as minhas preferências são muito marcadas pelas leituras de Taniguchi, bem conhecido, ou de Urasawa em, por exemplo, Monster, ou ainda Kojima e Koike em Lone Wolf and Cub (embora tenha partilhado, no século passado, o gosto por um Akira de Katsushiro Otomo). Desenho clássico e realista, portanto. Sou, é verdade, um grande fã de Usagi Yojimbo, mas embora a série de aventuras do coelho Usagi tenha uma boa caracterização do japão no início do seculo XVII, trata-se mais de comic do que de mangá. 

Há algum tempo cruzei-me, por mero acaso, com este Quand Sonne la Tempête, de Enjôji Masaki, de que acaba de ser publicado o quarto volume. Normalmente não leio Mangá em francês, mas esta não encontrei em Inglês. Trata-se de um Mangá seinen, ou seja, de acordo com a classificação, dirigido ao público masculino adulto – o que me parece correto! – com um estilo de desenho mais realista.

Sakai é a personagem principal, que vive numa cidadezinha de província, em que as vidas quotidianas e económicas são ainda marcadas pelos efeitos de um terramoto. Por necessidade, Sakai aceitou uma pequena tarefa para a máfia local, mas nunca imaginou as consequências que tal viria a ter. Implicado num crime de morte, toda a série até agora consiste na fuga de sobrevivência da personagem principal, nas descobertas do passado, nas relações tensas e draméticas com outras personagens, na relação crescente com novas personagens que cruzam o caminho do nosso Sakai, para além de algumas catástrofes naturais (um Tufão que se aproxima, o que acaba por dar título à série, embora outras “tempestades” estejam presentes na nossa aventura) que acrescentam ao clima opressivo da história (e alguns pormenores importantes que, para evitar spoilers, caracterizarei apenas como inovadores).

Com um grande dramatismo, o ritmo da história é vertiginoso, prende-nos a atenção, e ficamos sempre a aguardar o twist seguinte. O desenho serve bem o propósito da história e do seu ritmo, realista, sóbrio, com uma boa composição de sequências narrativas a preto e branco.

Com o meu receio de que a história se possa eternizar, recomendo este mergulho num universo alucinante que literalmente nos rouba o fôlego.

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