domingo, 25 de junho de 2023

A opinião de Miguel Cruz sobre: "Gone With the Wind - Tomo 1", de Pierre Alary e "Le Dépisteur - Tome 1. La Tondue", de Ozanam e Venanzi

 


Gone With the Wind – Tomo 1

Adaptar à Banda Desenhada o célebre romance de Margaret Mitchell, que, por sua vez, foi adaptado ao cinema com o sucesso que todos nós conhecemos, é um atrevimento, ou pelo menos um empreendimento de alto risco. Abordar o destino de Scarlett O’Hara no período da guerra civil, é sujeitar-se a comparações óbvias e à aplicação de uma fasquia muito alta. E mesmo que a adaptação seja um sucesso “técnico”, todos nós conhecemos, melhor ou pior, a história e os seus momentos marcantes, pelo que criar novidade através da leitura não será certamente fácil. “Frankly, my dear, I don’t give a damn”.

Pierre Alary, de quem recentemente lemos em português o excelente Don Veja, respirou fundo, tomou coragem e “voilá”, aí temos o primeiro tomo da adaptação, recriando a fase inicial do romance, em que Scarlett leva uma vida feliz e bem adaptada ao dia a dia de uma plantação de algodão, na segunda metade do século XIX, sonhando com o dia em que casará com o seu promissor vizinho Ashley Wilkes. “Hélas”, o deflagrar da guerra da secessão vai perturbar todo este cenário idílico e o dia a dia começa a mudar. Ah, e o seu amado (?) Ashley vai casar com outra…

O desenho quase realista, muito anguloso, os enquadramentos variados e muitas vezes aproximados, o adequado tratamento da personagem de Scarlett, os rostos expressivos, permitem que a narrativa flua bem e de forma envolvente, e que nos concentremos na BD evitando a permanente comparação. 

Gostei desta adaptação, do cuidado do autor em mergulhar nas emoções, do desenho inteligentemente apresentado, revelador de um autor inteligente, imaginativo e com grandes qualidades técnicas, apreciei a edição cuidada, a qualidade do papel, a capa. Enfim, sendo verdade que, com este tomo 1, ainda vamos a meio, creio poder dizer que esta obra é recomendável (apesar de a novidade não ser, como referi, significativa) permitindo redescobrir um excelente romance. Editado pela Rue de Sévres, esta BD tem 144 páginas.


Le Dépisteur - Tome 1. La Tondue



Em março de 2023 nasceu uma nova série de BD prometedora, editada pela Glénat. Trata-se de Le Dépisteur (numa tradução literal, o “pisteiro”), da autoria de Antoine Ozanam (argumento e de Marco Venanzi (desenho). De Ozanam, autor de várias obras com que, confesso, pouco me cruzei, foi publicado, em português, pela Gradiva um álbum sobre Lenine. Também Venanzi não é desenhador que me seja bem conhecido, embora tenha várias obras no universo “Jacques Martin” desde Alix a Jhen, passado pelas viagens d’Alix. 

Dépisteur foi o nome dado, no século passado, nos finais da década de 40, início da década de 50, às pessoas que partiam à procura das crianças judias que tinham sido escondidas junto de famílias de acolhimento – e portanto, procurando assegurar a sua salvação das perseguições nazis – para que estas pudessem retornar às suas famílias verdadeiras.

No caso da nossa BD, esse Dépisteur é Samuel, que procura uma menina que foi deixada numa família de acolhimento na região rural do Lot, em França (região não muito afastada da cidade de Toulouse), acabando por descobrir que essa família desapareceu, depois de ter sido denunciada ao ocupante. Na região, ninguém parece lembrar-se da menina, o que não se estranha, tendo em atenção que teria cerca de um ano em 1943.

O caso da menina em causa é fictício, mas a atividade desenvolvida de busca destas crianças é verdadeira, e reais são as perturbações que estas investigações que mexem no passado criam, gerando anticorpos, reações desagradáveis e incómodos. Nem todos os intervenientes se podem orgulhar das suas atividades e atitudes no período da ocupação nazi.

Como este é o primeiro tomo, e como habitualmente refiro, não é possível ser conclusivo sobre a análise. O desenho é realista clássico, muito detalhado na fauna e na flora, nos objetos, bastante agradável, as cores são bem trabalhadas, permitindo dar uma boa ideia das características da região e do seu clima.

O argumento é, sem dúvida, interessante, mas, no entanto, usa alguns flashbacks cuja importância e relevo para a história ainda não é clara. O ambiente geral, os comportamentos e personalidades são bem trabalhados, mas sobre a personagem central ainda sabemos pouco, exceto que também ele é judeu e que a guerra lhe deixou marcas.

As pistas são muitas, e a continuação da história não parece ser previsível. Veremos! Para já, não há dúvida que esta BD prende a atenção e que ficamos curiosos para a continuação e fim da aventura, previstos para o tomo 2.





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